domingo, 24 de abril de 2011
Políticos confundem o público e o privado
Publicado em 24/04/2011 | CAROLINE OLINDA
Pode parecer óbvio que usar um carro oficial para ir a um compromisso particular não é correto, assim como nomear um filho para o cargo de assessor parlamentar ou usar a verba de transporte aéreo para pagar a viagem de férias da família. Mas situações como essas, em que o público e o privado se misturam, são comuns no país. Entranhado na nossa sociedade, o chamado patrimonialismo é uma característica da política brasileira que tem origem na colonização, foi reforçado durante o reinado e persiste até hoje.
Essa cultura ajuda a explicar diversos escândalos políticos recentes. Como o caso da ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra, que perdeu o cargo no ano passado depois da revelação de que o filho, Israel Guerra, usaria a influência da mãe no Palácio do Planalto para intermediar negócios de empresas privadas com o governo federal.
O nepotismo é outro sintoma dessa confusão entre público e privado que os nossos políticos fazem. A situação do Paraná ainda mostra que esse problema não tem relação com corrente política ou partido e atinge a todos. Eleito com o discurso de ser o contraponto do ex-governador Roberto Requião (PMDB), o tucano Beto Richa manteve a mesma prática do peemedebista e nomeou parentes para cargos em seu governo – a mulher, Fernanda Richa, foi para a Secretaria de Família e Assistência Social e o irmão, Pepe Richa, é secretário de Infraestrutura e Logística.
A resistência dos políticos em prestar contas à população do que fazem com o dinheiro público é mais uma mostra desse problema na cultura política brasileira. Graças à pressão de setores da sociedade, a resistência à transparência tem sido derrubada, aos poucos. Mas ainda é comum encontrar deputados que ficam até mesmo ofendidos quando são questionados sobre o uso que fazem da verba de ressarcimento ou ministros que não gostam de explicar o motivo de gastos realizados com cartões corporativos.
“Avançamos a passos lentos nessa questão. Mas ainda há muitos problemas [relacionados à confusão entre público e privado], como a falta de transparência e o nepotismo”, comenta o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). As duas ditaduras enfrentadas pelo país no século 20 são apontadas pelo professor Roberto Romano, do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como fatores recentes que ajudaram a manter o patrimonialismo na política do Brasil.
Patrimonialismo
O professor explica, no entanto, que essa característica brasileira tem origem ainda no período colonial, quando o mundo vivia o período absolutista e a prática patrimonialista se firmou. As revoluções antiabsolutistas, no entanto, não foram acompanhadas pelo Brasil. “Dom João VI chegou com a ideia de instalar aqui nos trópicos um estado antirrevolucionário”, comenta Romano, que resume: “A nossa história política é absolutista”.
Além dos fatores históricos, a dificuldade para superar essa característica também passa por limitações de líderes políticos atuais. “A nossa sociedade foi construída assim e nossas lideranças são incapazes de defender o discurso liberal [marcado pela impessoalidade e busca da maior eficiência]. Não porque teriam problemas com o eleitorado em geral, mas porque encontrariam dificuldades com suas bases de apoio”, comenta o cientista social Alberto Carlos de Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro.
Na obra, Almeida constata que o brasileiro médio é favorável ao patrimonialismo e isso está relacionado também ao nível de escolaridade de cada um. Pelas pesquisas do autor, a tolerância à prática é maior entre os que passaram menos tempo na escola. Isso não significa, porém, que não existe espaço para o discurso e a prática contraria, acredita Almeida. Para ele, um político que se der conta disso poderá conseguir muitos apoios. “Mas no atual cenário político, não há ninguém que sinalize nesse sentido”, comenta.
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