Lei de iniciativa popular exige ampla participação popular e articulação nacional dos organizadores
Nossa geração tem o privilégio de testemunhar um momento histórico, único na História da Construção do nosso Direito Constitucional. Vemos um inédito avanço tanto na consolidação de nossas instituições democráticas e na efetivação dos Direitos Fundamentais.
Após o fim da ditadura, a reabertura Democrática culmina na nossa avançada Constituição de 1988 que trouxe uma série de Direitos Fundamentais aparentemente utópicos e à primeira vista inconciliáveis. Uma prece pela cidadania.
Nos primeiros anos da vigência de nossa lei maior, os teóricos, constitucionalistas pregavam a efetividade da Constituição, sua validade como norma jurídica. Todavia, nem sempre encontravam eco nas decisões judiciais.
O judiciário, em geral habituado a um sistema com menos penetração constitucional, era mais acanhado na implementação de direitos fundamentais.
Hoje o papel do judiciário cresceu tanto que já se critica o ativismo judicial, há receio de que o judiciário exceda seus poderes. No entanto, mesmo que haja críticas saudáveis a sua atuação, o Judiciário, destaque aqui para o Supremo Tribunal Federal, vem nos dando boas respostas a nossas inquietações jurídicas em matéria Constitucional em algumas questões de relevância.
Importantes julgamentos como o da rejeição da Lei de Imprensa em 2009, o do reconhecimento da União Civil Homoafetiva no ano passado e o da afirmação do papel do CNJ neste ano revolucionaram o Direito. São exemplos da resposta que o Supremo dá aos anseios da sociedade e aos anos de luta.
Tanto é que o foco da opinião pública que já se voltou ao Executivo e ao Legislativo, agora mira o Judiciário.
No dia 16 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da chamada "Lei da Ficha Limpa", fundamental para o aprimoramento da democracia brasileira.
A Lei da Ficha Limpa resulta de projeto de iniciativa popular, que tem exigências rigorosas. Antes de ser submetido à Câmara dos Deputados um projeto de iniciativa popular tem de ser assinado por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco Estados. Cada Estado deve contribuir com, no mínimo, três décimos por cento de seus eleitores.
O projeto de Lei de iniciativa popular exige, assim, ampla participação popular e articulação nacional dos organizadores. O povo brasileiro, tachado de apático politicamente dá uma importante demonstração de civismo. O instituto da lei de iniciativa popular, já chamado de decorativo, ganha força com a Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135/2010, que instituiu novas hipóteses de inelegibilidade.
Inelegível é quem não está apto a ser escolhido como representante do povo por meio das eleições, não pode sequer registrar candidatura a qualquer cargo eletivo.
Nos julgamentos de 2011, o Supremo já estabeleceu que a Lei não podia ser aplicada às eleições de 2010. Não obstante, é certo que a lei foi eficaz para alguns casos já nas eleições de 2010. Os políticos que tiveram seus casos julgados pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral e não recorreram ao Supremo permaneceram inelegíveis. Isso porque o TSE entendeu que a lei já se aplicava para as eleições de 2010.
No mais recente julgamento da Lei da Ficha Limpa os Ministros declararam Constitucional os principais artigos da referida lei, acolhendo as Ações Declaratórias de Constitucionalidade de números 29 e 30 e rejeitando a ação Declaratória de Inconstitucionalidade número 4.578 em julgamento conjunto das três ações.
Com isso, os artigos da Lei em questão foram declarados constitucionais e aplicáveis mesmo a fatos ocorridos antes da vigência da Lei. A lei será aplicada já nas eleições deste ano.
Os principais pontos abordados no julgamento conjunto da Lei da Ficha Limpa são:
a) a aplicação "retroativa" da Lei a situações que ocorreram antes de sua publicação;
Nos primeiros anos da vigência de nossa lei maior, os teóricos, constitucionalistas pregavam a efetividade da Constituição, sua validade como norma jurídica. Todavia, nem sempre encontravam eco nas decisões judiciais.
O judiciário, em geral habituado a um sistema com menos penetração constitucional, era mais acanhado na implementação de direitos fundamentais.
Hoje o papel do judiciário cresceu tanto que já se critica o ativismo judicial, há receio de que o judiciário exceda seus poderes. No entanto, mesmo que haja críticas saudáveis a sua atuação, o Judiciário, destaque aqui para o Supremo Tribunal Federal, vem nos dando boas respostas a nossas inquietações jurídicas em matéria Constitucional em algumas questões de relevância.
Importantes julgamentos como o da rejeição da Lei de Imprensa em 2009, o do reconhecimento da União Civil Homoafetiva no ano passado e o da afirmação do papel do CNJ neste ano revolucionaram o Direito. São exemplos da resposta que o Supremo dá aos anseios da sociedade e aos anos de luta.
Tanto é que o foco da opinião pública que já se voltou ao Executivo e ao Legislativo, agora mira o Judiciário.
No dia 16 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da chamada "Lei da Ficha Limpa", fundamental para o aprimoramento da democracia brasileira.
A Lei da Ficha Limpa resulta de projeto de iniciativa popular, que tem exigências rigorosas. Antes de ser submetido à Câmara dos Deputados um projeto de iniciativa popular tem de ser assinado por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco Estados. Cada Estado deve contribuir com, no mínimo, três décimos por cento de seus eleitores.
O projeto de Lei de iniciativa popular exige, assim, ampla participação popular e articulação nacional dos organizadores. O povo brasileiro, tachado de apático politicamente dá uma importante demonstração de civismo. O instituto da lei de iniciativa popular, já chamado de decorativo, ganha força com a Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135/2010, que instituiu novas hipóteses de inelegibilidade.
Inelegível é quem não está apto a ser escolhido como representante do povo por meio das eleições, não pode sequer registrar candidatura a qualquer cargo eletivo.
Nos julgamentos de 2011, o Supremo já estabeleceu que a Lei não podia ser aplicada às eleições de 2010. Não obstante, é certo que a lei foi eficaz para alguns casos já nas eleições de 2010. Os políticos que tiveram seus casos julgados pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral e não recorreram ao Supremo permaneceram inelegíveis. Isso porque o TSE entendeu que a lei já se aplicava para as eleições de 2010.
No mais recente julgamento da Lei da Ficha Limpa os Ministros declararam Constitucional os principais artigos da referida lei, acolhendo as Ações Declaratórias de Constitucionalidade de números 29 e 30 e rejeitando a ação Declaratória de Inconstitucionalidade número 4.578 em julgamento conjunto das três ações.
Com isso, os artigos da Lei em questão foram declarados constitucionais e aplicáveis mesmo a fatos ocorridos antes da vigência da Lei. A lei será aplicada já nas eleições deste ano.
Os principais pontos abordados no julgamento conjunto da Lei da Ficha Limpa são:
a) a aplicação "retroativa" da Lei a situações que ocorreram antes de sua publicação;
b) O caso específico da renúncia quando houver contra o renunciante representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, ou seja, mesmo sem a existência de processo;
c) A inelegibilidade de quem tenha condenação de órgão colegiado (órgão composto de mais de um julgador), mesmo que não haja trânsito em julgado, ou seja, ainda que o condenado possa recorrer da decisão e que efetivamente recorra;
d) O dilatado período de inelegibilidade;
e) A inelegibilidade por infração ético-profissional.
Em primeiro lugar, seria a Lei da Ficha Limpa inconstitucional por ter efeitos retroativos? Aqui há que se fazer um esclarecimento prévio.
Há formas distintas para se determinar qual retroatividade é proibida pelo direito. A primeira é vedar a retroatividade objetiva e a segunda proibir a retroatividade subjetiva. Na vedação à retroatividade objetiva, a lei não pode ser aplicada a fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Na proibição da retroatividade subjetiva a lei não pode retroagir para atingir situações e direitos já consolidados.
O sistema jurídico brasileiro veda apenas a retroatividade subjetiva, ou seja, aquela que atinja a coisa julgada (decisão judicial definitiva, da qual não cabe mais recurso); o ato jurídico perfeito (ato consolidado e de acordo com o direito vigente à época em que se consumou) e o direito adquirido (direito já integralmente conquistado pela implementação de todos os requisitos exigidos).
Desse modo, no direito brasileiro não há proibição da lei atingir fatos anteriores a sua promulgação, desde que respeite as situações consolidadas. Portanto, a Lei da Ficha Limpa pode atingir ocorrências anteriores à sua promulgação, no entanto, os efeitos (inelegibilidades) só valem a partir das eleições deste ano. Assim, a causa da inelegibilidade está no passado, antes mesmo da Lei, mas o efeito será posterior a ela.
Entre as novas hipóteses de inelegibilidade, estão, por exemplo,certas condenações judiciais de órgão colegiado, mesmo sem trânsito em julgado, rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, exclusão do exercício de profissão por decisão de órgão profissional por infração etico-profissional e renúncia na pendência de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município.
As hipóteses da Lei da Ficha Limpa não ofendem decisão definitiva de qualquer tribunal, algumas hipóteses apenas autorizam a inelegibilidade a partir de decisão ainda recorrível de órgãos colegiados (que têm mais de um julgador, como as turmas dos Tribunais). Em caso de recurso, havendo decisão definitiva em sentido contrário, a autoridade da decisão final é respeitada.
Quanto ao direito adquirido, o direito a ser candidato no futuro não se incorpora ao patrimônio jurídico de ninguém. A elegibilidade deve ser verificada no momento do registro da candidatura e as hipóteses, como as da lei em análise, são estabelecidas com base na vida pregressa do candidato, em cumprimento a disposição expressa do artigo 14, § 9º da Constituição Federal.
No entanto, entendo que o caso da renúncia é diverso. Não se trata de direito adquirido a ser elegível, o que não existe, mas de requisito de elegibilidade excessivo, dada a finalidade da norma e às disposições constitucionais a respeito.
Desde 1994, com a emenda de revisão nº 6, a Constituição Federal suspende os efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo "que vise ou possa levar à perda do mandato". Ou seja, a renúncia do parlamentar fica sem efeito até o fim do processo caso ocorra após seu início. Dessa forma, o processo contra o parlamentar continua até o fim.
No entanto, a Lei da Ficha limpa atribuiu inelegibilidade desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, ou seja, mesmo sem a existência de processo.
Ademais, a inelegibilidade da Ficha Limpa vale também para o Presidente da República, Governadores de Estado, do Distrito Federal e Prefeitos, além dos Parlamentares.
Em síntese, de acordo com a Lei declarada válida pelo Supremo, um político que renunciou antes da Lei da Ficha Limpa, fica inelegível mesmo que ainda não haja processo iniciado.
Nesse ponto, concordo com a posição inicial do Ministro Fux (que depois retrocedeu e modificou seu voto nessa questão) de que a renúncia que deve ser causa de inelegibilidade é somente a que ocorre depois da existência de processo e não de mera "petição" ou "denúncia".
No entanto, os Ministros declararam constitucional a Lei na íntegra.
Quanto à inelegibilidade por condenação por órgão colegiado, sem trânsito em julgado, os Ministros analisaram se tal medida seria inconstitucional por ofender ao princípio da presunção de inocência (ou não-culpabilidade).
Nesse ponto concordo com a decisão, não há inconstitucionalidade. A norma que prevê a presunção de inocência não se aplica ao caso. A presunção de inocência é válida apenas para punições, só se pune alguém depois da decisão definitiva: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" diz o artigo 5º LVII da Constituição Federal.
No entanto, não é do que trata a Lei da Ficha Limpa. A Lei não considera ninguém precocemente culpado, apenas inelegível. Trata-se de um requisito para a candidatura, assim como ser alfabetizado ou ter a idade mínima exigida.
As sanções punitivas no direito eleitoral são a perda e a suspensão dos direitos políticos. Quando sancionado numa dessas hipóteses o indivíduo não pode votar nem ser votado, não pode propor ação popular nem assinar lei de iniciativa popular.
Já no caso da inelegibilidade o cidadão apenas não atenderá o requisito para a candidatura. A inelegibilidade não é punição.
Aliás, nada mais natural para um representante do povo, que atenda ao requisito legal em respeito à probidade administrativa e à moralidade. Quando o poder público contrata uma empresa para determinado serviço, exige diversas certidões negativas para aferir sua idoneidade. Os candidatos em concursos públicos também têm de demonstra idoneidade. Em nenhum dos casos exige-se trânsito em julgado, em nenhum dos casos há ilegalidade. A garantia de idoneidade dos nossos representantes, com maior razão, deve ser rigorosa.
Por isso é que, diferentemente do direito penal em que, na dúvida sobre a condenação, se beneficia o acusado, segundo o "in dubio pro reo", no caso de inelegibilidade o beneficio da dúvida é em prol da sociedade ("in dubio pro societate").
Portanto, não se trata de punição, mas somente de estabelecer requisito de elegibilidade, vedando a participação do candidato sobre o qual pesa uma condenação de órgão colegiado (composto de mais de um julgador).
Por derradeiro, essa causa de inelegibilidade não é insuperável. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, alguém que seja condenado e passe a ser inelegível, pode recorrer e obter, em caráter cautelar (antes mesmo do julgamento final), uma suspensão da inelegibilidade. Trata-se de afastamento provisório da vedação legal. Essa medida pode evitar inelegibilidades por decisões notadamente injustas que ainda não tenham transitado em julgado.
Outra questão relevante é quanto ao longo período de inelegibilidade em alguns casos.
O texto da Lei da Ficha Limpa prevê, em casos de condenação criminal, ou que envolvam condenação à suspensão de direitos políticos, a inelegibilidade desde a condenação por órgão colegiado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
Quem sofre os efeitos de condenação criminal transitada em julgado, já tem os direitos políticos suspensos por disposição do artigo 15, III da Constituição Federal. Ou seja, não pode votar nem ser votado, nem exercer qualquer dos direitos políticos já referidos acima durante o cumprimento da pena. É, portanto, também inelegível.
O mesmo ocorre para quem seja expressamente condenado à suspensão dos direitos políticos, por exemplo, por improbidade administrativa.
Nessas duas hipóteses, por uma interpretação literal da lei, a inelegibilidade permaneceria desde a condenação (ainda sem trânsito em julgado) até oito anos depois do cumprimento total da pena.
No entanto, após a condenação de órgão colegiado, o processo pode levar anos para ser julgado em caráter definitivo.
Ou seja, alguém que cumprirá, por exemplo, trinta anos de pena criminal poderá ficar inelegível por mais de quarenta anos se somados os períodos da condenação de órgão colegiado até o transito em julgado, o da pena e os oito anos após a pena. Ou seja, o indivíduo poderia se tornar perpetuamente inelegível.
A questão poderia ser resolvida, de acordo com o voto do Ministro Luiz Fux, determinando a interpretação do artigo da seguinte forma: nos casos que envolvem condenação criminal ou condenação à suspensão de direitos políticos, o prazo já cumprido antes do trânsito em julgado (após decisão do órgão colegiado) deverá contar para abatimento do prazo de oito anos posterior ao cumprimento da pena, descontando-se desse prazo final o período já cumprido anteriormente.
Essa solução não foi, todavia, acolhida pelo STF.
Outra hipótese da Lei questionada no Supremo foi a da inelegibilidade por exclusão do exercício da profissão em decorrência de decisão de órgão profissional, como punição de infração ético-profissional. Questionou-se a constitucionalidade de tal disposição na ADI (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade) nº 4.578 .
Essa ação foi julgada improcedente pelo Supremo, confirmando-se a possibilidade de inelegibilidade pela exclusão do exercício da profissão.
Alguém que não pode exercer nem mesmo sua profissão não poderá ser mandatário do povo, diante das evidentes responsabilidades que o mandato exige.
Ademais, a decisão do órgão profissional poderá ser revista pelo judiciário, como garantia de todo cidadão. Portanto, tal disposição é constitucional. Assim, faço apenas críticas pontuais à Lei da Ficha limpa, que representa inegável avanço.
De acordo com a decisão do Supremo deverá valer para as eleições deste ano, sendo que todos os artigos questionados foram declarados constitucionais.
Os brasileiros podem comemorar mais esse avanço cívico, mais esse passo no aprimoramento de nossa jovem democracia.
Reafirmou-se a validade da Lei da Ficha Limpa, que vem do clamor legítimo de um povo que quer representantes idôneos, cândidos, com passado limpo. Desse processo até mesmo a auto-estima dos brasileiros sai fortalecida.
Antonio Paulo de Mattos Donadelli é advogado do escritório Vianna e Gabrilli Advogados. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Em primeiro lugar, seria a Lei da Ficha Limpa inconstitucional por ter efeitos retroativos? Aqui há que se fazer um esclarecimento prévio.
Há formas distintas para se determinar qual retroatividade é proibida pelo direito. A primeira é vedar a retroatividade objetiva e a segunda proibir a retroatividade subjetiva. Na vedação à retroatividade objetiva, a lei não pode ser aplicada a fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Na proibição da retroatividade subjetiva a lei não pode retroagir para atingir situações e direitos já consolidados.
O sistema jurídico brasileiro veda apenas a retroatividade subjetiva, ou seja, aquela que atinja a coisa julgada (decisão judicial definitiva, da qual não cabe mais recurso); o ato jurídico perfeito (ato consolidado e de acordo com o direito vigente à época em que se consumou) e o direito adquirido (direito já integralmente conquistado pela implementação de todos os requisitos exigidos).
Desse modo, no direito brasileiro não há proibição da lei atingir fatos anteriores a sua promulgação, desde que respeite as situações consolidadas. Portanto, a Lei da Ficha Limpa pode atingir ocorrências anteriores à sua promulgação, no entanto, os efeitos (inelegibilidades) só valem a partir das eleições deste ano. Assim, a causa da inelegibilidade está no passado, antes mesmo da Lei, mas o efeito será posterior a ela.
Entre as novas hipóteses de inelegibilidade, estão, por exemplo,certas condenações judiciais de órgão colegiado, mesmo sem trânsito em julgado, rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, exclusão do exercício de profissão por decisão de órgão profissional por infração etico-profissional e renúncia na pendência de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município.
As hipóteses da Lei da Ficha Limpa não ofendem decisão definitiva de qualquer tribunal, algumas hipóteses apenas autorizam a inelegibilidade a partir de decisão ainda recorrível de órgãos colegiados (que têm mais de um julgador, como as turmas dos Tribunais). Em caso de recurso, havendo decisão definitiva em sentido contrário, a autoridade da decisão final é respeitada.
Quanto ao direito adquirido, o direito a ser candidato no futuro não se incorpora ao patrimônio jurídico de ninguém. A elegibilidade deve ser verificada no momento do registro da candidatura e as hipóteses, como as da lei em análise, são estabelecidas com base na vida pregressa do candidato, em cumprimento a disposição expressa do artigo 14, § 9º da Constituição Federal.
No entanto, entendo que o caso da renúncia é diverso. Não se trata de direito adquirido a ser elegível, o que não existe, mas de requisito de elegibilidade excessivo, dada a finalidade da norma e às disposições constitucionais a respeito.
Desde 1994, com a emenda de revisão nº 6, a Constituição Federal suspende os efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo "que vise ou possa levar à perda do mandato". Ou seja, a renúncia do parlamentar fica sem efeito até o fim do processo caso ocorra após seu início. Dessa forma, o processo contra o parlamentar continua até o fim.
No entanto, a Lei da Ficha limpa atribuiu inelegibilidade desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, ou seja, mesmo sem a existência de processo.
Ademais, a inelegibilidade da Ficha Limpa vale também para o Presidente da República, Governadores de Estado, do Distrito Federal e Prefeitos, além dos Parlamentares.
Em síntese, de acordo com a Lei declarada válida pelo Supremo, um político que renunciou antes da Lei da Ficha Limpa, fica inelegível mesmo que ainda não haja processo iniciado.
Nesse ponto, concordo com a posição inicial do Ministro Fux (que depois retrocedeu e modificou seu voto nessa questão) de que a renúncia que deve ser causa de inelegibilidade é somente a que ocorre depois da existência de processo e não de mera "petição" ou "denúncia".
No entanto, os Ministros declararam constitucional a Lei na íntegra.
Quanto à inelegibilidade por condenação por órgão colegiado, sem trânsito em julgado, os Ministros analisaram se tal medida seria inconstitucional por ofender ao princípio da presunção de inocência (ou não-culpabilidade).
Nesse ponto concordo com a decisão, não há inconstitucionalidade. A norma que prevê a presunção de inocência não se aplica ao caso. A presunção de inocência é válida apenas para punições, só se pune alguém depois da decisão definitiva: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" diz o artigo 5º LVII da Constituição Federal.
No entanto, não é do que trata a Lei da Ficha Limpa. A Lei não considera ninguém precocemente culpado, apenas inelegível. Trata-se de um requisito para a candidatura, assim como ser alfabetizado ou ter a idade mínima exigida.
As sanções punitivas no direito eleitoral são a perda e a suspensão dos direitos políticos. Quando sancionado numa dessas hipóteses o indivíduo não pode votar nem ser votado, não pode propor ação popular nem assinar lei de iniciativa popular.
Já no caso da inelegibilidade o cidadão apenas não atenderá o requisito para a candidatura. A inelegibilidade não é punição.
Aliás, nada mais natural para um representante do povo, que atenda ao requisito legal em respeito à probidade administrativa e à moralidade. Quando o poder público contrata uma empresa para determinado serviço, exige diversas certidões negativas para aferir sua idoneidade. Os candidatos em concursos públicos também têm de demonstra idoneidade. Em nenhum dos casos exige-se trânsito em julgado, em nenhum dos casos há ilegalidade. A garantia de idoneidade dos nossos representantes, com maior razão, deve ser rigorosa.
Por isso é que, diferentemente do direito penal em que, na dúvida sobre a condenação, se beneficia o acusado, segundo o "in dubio pro reo", no caso de inelegibilidade o beneficio da dúvida é em prol da sociedade ("in dubio pro societate").
Portanto, não se trata de punição, mas somente de estabelecer requisito de elegibilidade, vedando a participação do candidato sobre o qual pesa uma condenação de órgão colegiado (composto de mais de um julgador).
Por derradeiro, essa causa de inelegibilidade não é insuperável. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, alguém que seja condenado e passe a ser inelegível, pode recorrer e obter, em caráter cautelar (antes mesmo do julgamento final), uma suspensão da inelegibilidade. Trata-se de afastamento provisório da vedação legal. Essa medida pode evitar inelegibilidades por decisões notadamente injustas que ainda não tenham transitado em julgado.
Outra questão relevante é quanto ao longo período de inelegibilidade em alguns casos.
O texto da Lei da Ficha Limpa prevê, em casos de condenação criminal, ou que envolvam condenação à suspensão de direitos políticos, a inelegibilidade desde a condenação por órgão colegiado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
Quem sofre os efeitos de condenação criminal transitada em julgado, já tem os direitos políticos suspensos por disposição do artigo 15, III da Constituição Federal. Ou seja, não pode votar nem ser votado, nem exercer qualquer dos direitos políticos já referidos acima durante o cumprimento da pena. É, portanto, também inelegível.
O mesmo ocorre para quem seja expressamente condenado à suspensão dos direitos políticos, por exemplo, por improbidade administrativa.
Nessas duas hipóteses, por uma interpretação literal da lei, a inelegibilidade permaneceria desde a condenação (ainda sem trânsito em julgado) até oito anos depois do cumprimento total da pena.
No entanto, após a condenação de órgão colegiado, o processo pode levar anos para ser julgado em caráter definitivo.
Ou seja, alguém que cumprirá, por exemplo, trinta anos de pena criminal poderá ficar inelegível por mais de quarenta anos se somados os períodos da condenação de órgão colegiado até o transito em julgado, o da pena e os oito anos após a pena. Ou seja, o indivíduo poderia se tornar perpetuamente inelegível.
A questão poderia ser resolvida, de acordo com o voto do Ministro Luiz Fux, determinando a interpretação do artigo da seguinte forma: nos casos que envolvem condenação criminal ou condenação à suspensão de direitos políticos, o prazo já cumprido antes do trânsito em julgado (após decisão do órgão colegiado) deverá contar para abatimento do prazo de oito anos posterior ao cumprimento da pena, descontando-se desse prazo final o período já cumprido anteriormente.
Essa solução não foi, todavia, acolhida pelo STF.
Outra hipótese da Lei questionada no Supremo foi a da inelegibilidade por exclusão do exercício da profissão em decorrência de decisão de órgão profissional, como punição de infração ético-profissional. Questionou-se a constitucionalidade de tal disposição na ADI (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade) nº 4.578 .
Essa ação foi julgada improcedente pelo Supremo, confirmando-se a possibilidade de inelegibilidade pela exclusão do exercício da profissão.
Alguém que não pode exercer nem mesmo sua profissão não poderá ser mandatário do povo, diante das evidentes responsabilidades que o mandato exige.
Ademais, a decisão do órgão profissional poderá ser revista pelo judiciário, como garantia de todo cidadão. Portanto, tal disposição é constitucional. Assim, faço apenas críticas pontuais à Lei da Ficha limpa, que representa inegável avanço.
De acordo com a decisão do Supremo deverá valer para as eleições deste ano, sendo que todos os artigos questionados foram declarados constitucionais.
Os brasileiros podem comemorar mais esse avanço cívico, mais esse passo no aprimoramento de nossa jovem democracia.
Reafirmou-se a validade da Lei da Ficha Limpa, que vem do clamor legítimo de um povo que quer representantes idôneos, cândidos, com passado limpo. Desse processo até mesmo a auto-estima dos brasileiros sai fortalecida.
Antonio Paulo de Mattos Donadelli é advogado do escritório Vianna e Gabrilli Advogados. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
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